Filha com síndrome de Down X Redução de jornada de trabalho.

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“A necessidade da convivência mais intensa da mãe para com a criança, no caso, portadora de síndrome de Down e bexiga neurogênica é indispensável para o seu desenvolvimento, possibilitando, assim, um processo adequado de adaptação da criança, respeitando, a sua condição.”

Ementa: RECURSO DE REVISTA. AUTORA MÃE DE CRIANÇA COM SÍNDROME DE DOWN E BEXIGA NEUROGÊNICA. PRETENSÃO DE REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO, SEM DIMINUIÇÃO PROPORCIONAL DA REMUNERAÇÃO. EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA IGUALDADE MATERIAL E DA ADAPTAÇÃO RAZOÁVEL. APLICAÇÃO DA CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA. EXTENSÃO DO DIREITO AO CUIDADOR. PONDERAÇÃO DOS INTERESSES EM CONFLITO. THE COST OF CARING. 1. A autora pretende a redução de sua jornada com a manutenção do salário, o que foi indeferido pelo eg. TRT. Ela é mãe de uma menina portadora de síndrome de Down e bexiga neurogênica, que necessita de cuidados especiais. 2. A Constituição Federal de 1988 consagrou a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho como fundamentos nucleares da República Federativa do Brasil (art. 1º, III e IV). A construção de uma sociedade justa e solidária e a promoção do bem de todos, sem preconceito ou discriminação, foi erigida ao status de objetivos fundamentais do Estado brasileiro (art. 3º, I e IV). Os direitos humanos foram alçados ao patamar de princípio norteador das relações externas, com repercussão ou absorção formal no plano interno (arts. 4º, II, e 5º, §§ 2º e 3º). E o princípio da isonomia, quer na vertente da igualdade, quer na da não discriminação, é o norte dos direitos e garantias fundamentais (art. 5º, caput). O Estado Democrático de Direito recepcionou o modelo de igualdade do Estado Social, em que há intervenção estatal, por meio de medidas positivas, na busca da igualdade material, de forma a garantir a dignidade da pessoa humana. O processo histórico de horizontalização dos direitos fundamentais adquiriu assento constitucional expresso (art. 5º, §1º), de modo que os valores mais caros à sociedade possuem aptidão para alcançar todos os indivíduos de forma direta e com eficácia plena. Assim, a matriz axiológica da Constituição deve servir de fonte imediata para a resolução de demandas levadas à tutela do Poder Judiciário, notadamente aquelas de alta complexidade. 3. De todo modo, a ausência de norma infraconstitucional específica não seria capaz de isentar o magistrado de, com base nos princípios gerais de direito, na analogia e nos tratados internacionais ratificados pelo Brasil, reconhecer a incidência direta dos direitos sociais em determinados casos concretos. E o direito brasileiro tem recepcionado diversos documentos construídos no plano internacional com o intuito de proteger e salvaguardar o exercício dos direitos dos deficientes, com força de emenda constitucional, a exemplo da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD). 4. A CDPD estabelece como princípio o respeito pela diferença e a igualdade de oportunidades, que devem ser promovidos pelo Estado especialmente pela adaptação razoável, que consiste em ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional ou indevido, requeridos em cada caso. O art. 2 da CDPD estabelece ainda que a recusa à adaptação razoável é considerada forma de discriminação. 5. E considerando que seu real fundamento é coibir a discriminação indireta, seu campo de atuação não deve se restringir à pessoa com deficiência, mas alcançar a igualdade material no caso concreto, com vistas ao harmônico convívio multiculturalista nas empresas. 6. A Comissão de Direitos Humanos de Ontário realizou pesquisa e consulta pública sobre questões relacionadas ao status familiar, e seu relatório final foi denominado The Cost of Caring, que demonstrou que as pessoas que têm responsabilidades de cuidar de familiares com deficiência enfrentam barreiras contínuas à inclusão, com suporte inadequado tanto por parte da sociedade como do governo. As empresas normalmente não adotam políticas de adaptação razoável, o que acaba por empurrar os cuidadores para fora do mercado de trabalho. 7. A pessoa com deficiência que não possui a capacidade plena tem encontrado apoio na legislação, mas não o seu cuidador, o qual assume para si grande parte do ônus acarretado pela deficiência de outrem, como se ela própria compartilhasse da deficiência. Se há direitos e garantias, como por exemplo a flexibilidade de horário, àqueles que possuem encargos resultantes de sua própria deficiência, é inadequado afastar o amparo legal e a aplicação analógica aos que assumem para si grande parte desses encargos. O caso dos autos ilustra perfeitamente tal questão, em que a autora, mãe de criança com deficiência, de apenas seis anos, precisa assumir para si os ônus acarretados pela deficiência de sua filha, o que lhe demanda tempo, dedicação e preocupação. Assim, negar adaptação razoável no presente caso traduz medida discriminatória à autora. Além disso, a omissão do Poder Público, em última instância, afeta a criança, que com menor amparo familiar fatalmente encontrará maiores desafios no seu desenvolvimento pessoal e de inclusão na sociedade. Cumpre ressaltar o compromisso assumido pelo Estado, previsto no art. 23 da CDPD, de fazer todo o esforço para que a família imediata tenha condições de cuidar de uma criança com deficiência. 8. A aplicação da adaptação razoável, atendendo as peculiaridades do caso, é compromisso assumido pelo Estado, como signatário da CDPD. A acomodação possível somente pode ser pensada no caso concreto, pois cada pessoa tem necessidades únicas. No contexto dos autos, conclui-se que a criança necessita de maior proximidade com sua genitora, diante do desafio superior tanto ao seu desenvolvimento como pessoa quanto à sua afirmação enquanto agente socialmente relevante. Defere-se, portanto, a adaptação razoável ao caso concreto. Recurso de revista conhecido por violação dos arts. 7º, 27 e 28 da CDPD e parcialmente provido. Vistos, relatados e discutidos. (TST – PROCESSO Nº TST-RR-10409-, Relator: Alexandre Agra Belmonte, data do julgamento: 02/06/2021). (Fonte pesquisada: https://ibdfam.org.br/).